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Expedição GEOCANION

 

No final de setembro de 2021, foi realizada a expedição geológica GEOCANION com o objetivo de mapear um dos mais relevantes cânions da Chapada dos Veadeiros, através de um formato até então inédito no Brasil.

Geocânion

é a prática do canionismo junto com o mapeamento geológico de um local

O canionismo

consiste na progressão por dentro de um leito de rio transpondo todos os seus obstáculos com técnicas que podem incluir trabalhos de cordas (rapeis e corrimãos), natação, saltos, escaladas, desescaladas, dentre outros.

A geologia

é a ciência que estuda a formação do planeta, como ele foi formado, quais são os materiais que a compõe, e todos os fenômenos que alteraram a sua composição e estrutura desde a sua origem até a constituição atual.

O cânion escolhido para essa primeira expedição foi o cânion do Borrachudo, nas terras do SR Augusto, que fica numa região de Alto Paraíso-GO conhecida como Chapada Alta, uma das regiões mais bonitas e preservadas da Chapada dos Veadeiros. O local é berço de diversas nascentes que formam um complexo sistema de cachoeiras, além de servir como refúgio para fauna silvestre, como onças, veados, tamanduás, lobos-guará, macacos, antas, capivaras e aves. O cânion é cortado pelo córrego Passagem à Toa, popularmente conhecido como Córrego Borrachudo.

Essa expedição foi realizada como teste para o mapeamento

dos detalhes de outros cânions dentro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e entorno, como parte do projeto do Geoparque, além de ser modelo para as próximas saídas.

O mapeamento de detalhe realizado pelos geólogos junto com o trabalho da topografia irá contribuir com o entendimento geológico estrutural de toda a região. São estudadas rochas, eventos e estruturas de deformação, como dobras, falhas, fraturas e veios, que contam uma história de como aquela paisagem foi formada. Cada mapeamento detalha uma pequena parte da história, para depois ser montado um quebra-cabeça.

A geologia associada ao canionismo é um grande casamento

Através das técnicas verticais, pode-se chegar a locais normalmente inacessíveis, onde podem ser feitas observações e descrições geológicas de maneira precisa.

Essa ideia toda surgiu em 2018 quando o Ion, líder da expedição, fez o convite para os geólogos participarem de uma saída de canionismo, onde foi possível perceber que a interação entre canionismo e geologia é fantástica tanto para a geologia quanto para o canionismo, pois, através dela as estruturas geológicas ficam mais visíveis e fáceis de descrever e medir (mesmo preso à uma corda).

O levantamento estrutural dobras, falhas e de fraturas auxilia na instalação das ancoragens, além de melhorar o repertório técnico da atividade, pela história natural que pode ser contada através das rochas.

A equipe foi montada contando com a experiência de diversos profissionais:

Os professores de geologia de universidades federais e pesquisadores Joana Sánchez e Amós Martini, que trabalham no Projeto Geoparque Chapada dos Veadeiros, a geóloga Letícia de Moraes, especialista em topografia de cavernas e Daniel Biagioni, espeleólogo também especialista em topografia, além dos experientes canionistas e guias Ion David (líder da expedição), Gustavo Silva, Gabriel Rosa e Carlos Alexandre, que já trabalham no projeto em conjunto com os pesquisadores e que são os responsáveis pela condução do grupo pelo cânion e por toda a segurança da atividade, e Kelly Richter, canionista e responsável pelo registro das atividades.

Para a realização deste trabalho, foram necessários três dias de intensas atividades de canionismo, além de uma noite de acampamento às margens do córrego.

A aproximação para o primeiro trecho a ser explorado foi feita por uma trilha com terreno plano, descidas suaves e com alternância de diversos tipos de vegetação: formações campestres (campo úmido e campo sujo), savânica (cerrado rupestre) e florestal (mata ciliar). A caminhada tem cerca de 30 minutos.

O primeiro dia de mapeamento geológico e topográfico

Foram quatro grandes rapeis que totalizaram aproximadamente 180m de desnível vertical. Eles foram realizados no leito do córrego (com pouco fluxo de água nesse período do ano) em rampas bastante inclinadas de quartzito cortado por um grande veio de quartzo logo no primeiro lance da descida.

Para o mapeamento geológico, foi possível identificar uma grande quantidade de fraturas formadas durante os eventos de  deformação sofridos ao longo do tempo. Localmente é possível observar fraturas preenchidas por quartzo, ainda em estado fluido em toda a extensão desse trecho do cânion. Essas estruturas, inclusive, podiam ser facilmente medidas com auxílio de bússola pelos pesquisadores.

O segundo dia da expedição

Além do trabalho de mapeamento, com a mudança do acampamento para a margem do córrego, uma vez que, devido a distância, não seria viável voltar para o camping. A mudança contou com o apoio do SR Augusto, seu filho, o Vereador João Vitor e quatro mulas.

O acesso ao segundo trecho do cânion foi feito por uma trilha diferente do primeiro dia, um pouco mais longa e inclinada, com aproximadamente duas horas de caminhada.

Foram apenas dois trabalhos de cordas, sendo o primeiro com 25m e o segundo de 15m, o restante do caminho foi feito através de técnicas de natação, saltos, marcha aquática e desescaladas, além de um incrível “tobogã”.

Essa parte do cânion possui um contínuo e didático sistema de dobras e fraturas nas rochas, bastante raro de ser observado. No local, é possível observar camadas de rochas metassedimentares, fortemente dobradas e fraturadas em diferentes escalas, registrando uma longa história de formação/deformação.

A professora Joana Sanchez relata que há pouquíssimos lugares no Brasil em que seja possível avistar tantas feições estruturais tão didáticas, expostas de forma tão contínua em uma região, como as que estão presentes no Cânion do Borrachudo.

O tobogã mencionado anteriormente está localizado exatamente em um dos flancos de uma dobra de dezenas de metros ou, de acordo com a terminologia técnica, no “flanco longo da dobra”. Essa estrutura é uma rampa lisa por onde passa o córrego e água cai 7 metros abaixo num poço.

O acesso ao terceiro e último trecho do cânion

estava há poucas dezenas de metros do local do acampamento. Esse dia contou com três rapeis, sendo o primeiro dividido em duas partes, um primeiro lance de 7 metros, seco e, após troca de corda, outro de 30m, pelo caudal da cachoeira.

O segundo e terceiro rapel, ambos com 20m de altura, levaram a equipe para uma parte mais confinada do cânion, com grandes paredões em ambas as margens do córrego.

No final do cânion, ainda foi possível localizar uma formação geológica até então não documentada pelos pesquisadores nessa região: um conglomerado  (rocha sedimentar composta por fragmentos de diferentes tipo de rocha, imersos numa matriz sedimentar mais fina).

De acordo com a professora Joana Sanchez, a presença de um conglomerado como aquele, naquele lugar, pode indicar duas coisas: o ponto de contato de dois grandes grupos geológicos: o formado em ambiente marinho (Grupo Traíras) e o formado em ambiente continental (Grupo Arraias) ou, ainda, que ele foi injetado ali.

O Grupo Arraias está localizado estratigraficamente embaixo do Grupo Traíras, então um conglomerado ali, numa sequência marítima, também pode indicar que ele foi “injetado” para cima através de uma fratura, numa época em que ele estivesse fluido.

Essa é uma situação que ainda precisa de mais estudos para que se possa realmente determinar o que aconteceu.

O terceiro dia de expedição também foi utilizado para o mapeamento de outras estruturas próximas ao cânion:

Uma formação rochosa que se assemelha a uma ponte de pedra e duas cavernas, uma de cada lado da ponte.

A primeira caverna possui um salão muito grande e iluminado, com rochas intensamente deformadas e dobradas, além de algumas estalactites. A segunda caverna possui mais salões, menores e mais baixos, além de túneis, galerias, estalactites e estalagmites.

Todas as três estruturas são de origem tectônica, isso é, foram formadas por atividade de movimentação de grande escalada da crosta terrestre. A ponte de pedra e as cavernas são compostas basicamente de metarritmito, que é uma intercalação de quartzito e metassiltito, além de fraturas preenchidas com carbonato (calcário).

Ao final da exploração das cavernas, a equipe retornou para a casa do Sr Augusto por uma longa trilha, morro acima por quase quatro horas de caminhada.

Foram três dias de intenso trabalho,

Que tanto para os pesquisadores, quanto para os canionistas, proporcionou vivências, aprendizados e trocas de experiências únicas.

Imersões em meio à natureza com um grupo tão seleto tendem a ser experiências inigualáveis. A maioria das pessoas já havia trabalhado juntas anteriormente e são amigas há tempos, alguns poucos que chegaram para agregar foram igualmente acolhidos pelo carinho que o grupo já tinha.

Texto: Kelly Richter

Fotos: Ion David

Apoio:

Travessia Ecoturismo

Universidade Federal de Goiás-UFG

Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri-UFVJM

Parque Nacional da Chapada dos veadeiros-PNCV.

Bonier

Cafe com Graça

Chapada Alta – Sr Augusto e Familia

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